Herman Leonard conviveu com os grandes músicos do jazz do século XX. Prémio do Grammy garante arquivamento e digitalização das suas imagens.
Uma mulher abriu a porta vestindo roupas de casa e um avental.
“Primeiramente eu pensei, ‘esta é a empregada’”, diz o fotógrafo Herman Leonard. “Ela disse, ‘desculpe-me, mas eu tenho que alimentar o cão’. Ela tinha um bife fritando na sertã preparando para o cão.”
A mulher era Billie Holiday, uma das maiores vozes do mundo moderno.
A cena foi eternizada em filme por Leonard, agora aos 86 anos. Ele capturou os momentos mais estranhos e íntimos das vidas dos grandes músicos do jazz. Na segunda metade do século XX, documentou o período mais fértil da história do jazz – o museu Smithsonian tem mais de 130 fotografias tiradas por Leonard na sua colecção permanente.
Os seus retratados vão de Louis Armstrong e Duke Ellington a Miles Davis e Dizzy Gillespie. Impressões das suas fotos são vendidas por até US$ 15 mil.
Leonard também capturou momentos fugazes nas vidas daqueles de fora do mundo da música, de soldados norte-americanos cruzando uma ponte de campanha em Bruma durante Segunda Guerra Mundial, até Marlon Brando tocando bongô, em Paris. Ele tirou fotografias de Albert Einstein, Harry Truman, Clark Gable, Marta Graham. Por algum tempo, Leonard trabalhou até para a revista "Playboy".
Mas foram as suas imagens do jazz – obras-primas de realismo – que lhe renderam um prémio de US$ 33 mil do Grammy, que ele agora está a usar para arquivar e digitalizar as suas fotos. Leonard é o primeiro fotógrafo escolhido para a bolsa, cujos agraciados normalmente estão ligados à indústria musical.
Leonard seguiu Miles Davis por quatro décadas, do seu início como trompetista no final dos anos 40 até 1991 no festival de jazz de Montreaux, na Suíça – seu último espectáculo.
O trompetista era conhecido por “ser difícil”, diz Leonard. “Mas nos dávamos bem”. Durante o ensaio, Davis dispensou todos os fotógrafos de uma horda, exceto um – Leonard.
“Eu pude ver no seu rosto... ele sabia que estava morrendo”, lembra Leonard.
Aquelas últimas fotos de Davis “mostram-no carregando uma grande carga de angústia”. Ainda assim, “ele estava glorioso. A pele dele parecia veludo negro. Os ossos estavam bem definidos, e aqueles olhos em chamas estavam tão intensos que era muito fácil fotografa-lo para qualquer fotógrafo. Ele era muito lindo”.
O gênio do jazz morreu seis semanas depois.
Então, há um Armstrong suado e cansado, sentado na frente de garrafas abertas de vinho e champanhe numa mesa dobrável durante uma pausa nas filmagens de “Paris blues”. Ele está a secar os seus lábios com um lenço branco, um cigarro acesso pendendo da outra mão.
Os retratos de bastidores são parte de uma vida de trabalho pelos quais Leonard foi honrado recentemente em Nova York com o prémio Lucie na categoria de retratos. A lista de agraciados inclui nomes como Annie Leibovitz, Henri Cartier-Bresson e Cornell Capa.
“Eu nunca trabalhei na minha vida. Eu faço o que eu amo”, disse Leonard numa entrevista em sua casa em Los Angeles que divide com a filha, genro e neta. “Eu fiz da minha paixão a minha profissão”.
Mudou-se para a Califórnia depois que o furacão Katrina destruiu sua a casa em Nova Orleães, que ficava a poucos quarteirões de um dique que se rompeu e destruiu 8 mil impressões das suas fotos. Mas 70 mil negativos foram salvos da correnteza nos cofres de um museu próximo.
Leonard descobriu a sua “assinatura” fotográfica por acidente, enquanto tentava registrar imagens em clubes noturnos escuros ao longo da rua 52 em Manhattan na década de 50.
“Criei a minha iluminação porque quando eu fotografava em clubes nocturnos, a luz existente era insuficiente”, diz. Encontrou a solução usando duas luzes estroboscópicas – uma no tecto próxima do spot direccionado ao microfone do músico, e a segunda atrás do artista, nalgum lugar na plateia.
“Então posicionava-me de um modo que se eu não conseguisse ver a luz de fundo, ela estava sendo bloqueada pelo músico”, explica. “Eu conseguia captar a atmosfera sem destruí-la.”
O resultado pode ser visto em retratos que dão ao fotografado uma aura brilhando, capturando ao mesmo tempo a enfumaçada intimidade dos antigos clubes de jazz.
Leonard já foi chamado de “o Charlie Parker da fotografia”. Mas quando lhe perguntam sobre qual músico gostaria de ser comparado, ele lembra-se de Gillespie.
“Dizzy conseguia tocar melodias sentimentais de alma e coração – e então podia-se tornar completamente selvagem”, admira Leonard.
Leonard é fascinado por quase tudo que vê, de celebridades a folhas mortas cobrindo uma calçada ou um homem beijando uma mulher numa rua de Paris. “Ele curvou-se sobre o carro de costas para mim, e as suas pernas estavam separadas e as pernas dela estavam juntas, entre as pernas dele – e era tudo que se podia ver”, lembra. “Esse é o tipo de imagem que me atrai, com um certo padrão ou composição.”
As imagens estavam em qualquer lugar por que passasse – vivendo na Europa por 35 anos, na ilha espanhola de Ibiza por oito anos e em São Francisco. Mas foi Nova Orleães que finalmente lhe roubou o coração.
“Havia um calor e uma receptividade lá, uma certa tolerância”, diz. “Você podia plantar uma bananeira no meio da rua, e seria somente parte da paisagem.”
Hoje, Leonard anda com sua equipa, formada por gente bem mais nova, por vezes fotografando noite adentro. Para se divertir, ele vai para clubes de jazz com amigos da indústria cinematográfica, longe daqueles “velhos xeretas”, diz ele, com uma risada.
Em Setembro, o Montreal International Jazz Festival vai lançar uma nova sala de exposições com um portefólio com fotografias de Leonard.
Também está a trabalhar num novo livro de imagens para ser publicado ainda em 2009. É a sequência de sua obra de 2006, “Jazz, giants and journeys”, com prefácio de Quincy Jones.
“Eu costumava falar para as pessoas que Herman Leonard faz com sua câmara o que nós fazíamos com os nossos instrumentos”, escreveu Jones. “A câmara de Leonard conta a verdade, e a faz balançar.”
Uma mulher abriu a porta vestindo roupas de casa e um avental.
“Primeiramente eu pensei, ‘esta é a empregada’”, diz o fotógrafo Herman Leonard. “Ela disse, ‘desculpe-me, mas eu tenho que alimentar o cão’. Ela tinha um bife fritando na sertã preparando para o cão.”
A mulher era Billie Holiday, uma das maiores vozes do mundo moderno.
A cena foi eternizada em filme por Leonard, agora aos 86 anos. Ele capturou os momentos mais estranhos e íntimos das vidas dos grandes músicos do jazz. Na segunda metade do século XX, documentou o período mais fértil da história do jazz – o museu Smithsonian tem mais de 130 fotografias tiradas por Leonard na sua colecção permanente.
Os seus retratados vão de Louis Armstrong e Duke Ellington a Miles Davis e Dizzy Gillespie. Impressões das suas fotos são vendidas por até US$ 15 mil.
Leonard também capturou momentos fugazes nas vidas daqueles de fora do mundo da música, de soldados norte-americanos cruzando uma ponte de campanha em Bruma durante Segunda Guerra Mundial, até Marlon Brando tocando bongô, em Paris. Ele tirou fotografias de Albert Einstein, Harry Truman, Clark Gable, Marta Graham. Por algum tempo, Leonard trabalhou até para a revista "Playboy".
Mas foram as suas imagens do jazz – obras-primas de realismo – que lhe renderam um prémio de US$ 33 mil do Grammy, que ele agora está a usar para arquivar e digitalizar as suas fotos. Leonard é o primeiro fotógrafo escolhido para a bolsa, cujos agraciados normalmente estão ligados à indústria musical.
Leonard seguiu Miles Davis por quatro décadas, do seu início como trompetista no final dos anos 40 até 1991 no festival de jazz de Montreaux, na Suíça – seu último espectáculo.
O trompetista era conhecido por “ser difícil”, diz Leonard. “Mas nos dávamos bem”. Durante o ensaio, Davis dispensou todos os fotógrafos de uma horda, exceto um – Leonard.
“Eu pude ver no seu rosto... ele sabia que estava morrendo”, lembra Leonard.
Aquelas últimas fotos de Davis “mostram-no carregando uma grande carga de angústia”. Ainda assim, “ele estava glorioso. A pele dele parecia veludo negro. Os ossos estavam bem definidos, e aqueles olhos em chamas estavam tão intensos que era muito fácil fotografa-lo para qualquer fotógrafo. Ele era muito lindo”.
O gênio do jazz morreu seis semanas depois.
Então, há um Armstrong suado e cansado, sentado na frente de garrafas abertas de vinho e champanhe numa mesa dobrável durante uma pausa nas filmagens de “Paris blues”. Ele está a secar os seus lábios com um lenço branco, um cigarro acesso pendendo da outra mão.
Os retratos de bastidores são parte de uma vida de trabalho pelos quais Leonard foi honrado recentemente em Nova York com o prémio Lucie na categoria de retratos. A lista de agraciados inclui nomes como Annie Leibovitz, Henri Cartier-Bresson e Cornell Capa.
“Eu nunca trabalhei na minha vida. Eu faço o que eu amo”, disse Leonard numa entrevista em sua casa em Los Angeles que divide com a filha, genro e neta. “Eu fiz da minha paixão a minha profissão”.
Mudou-se para a Califórnia depois que o furacão Katrina destruiu sua a casa em Nova Orleães, que ficava a poucos quarteirões de um dique que se rompeu e destruiu 8 mil impressões das suas fotos. Mas 70 mil negativos foram salvos da correnteza nos cofres de um museu próximo.
Leonard descobriu a sua “assinatura” fotográfica por acidente, enquanto tentava registrar imagens em clubes noturnos escuros ao longo da rua 52 em Manhattan na década de 50.
“Criei a minha iluminação porque quando eu fotografava em clubes nocturnos, a luz existente era insuficiente”, diz. Encontrou a solução usando duas luzes estroboscópicas – uma no tecto próxima do spot direccionado ao microfone do músico, e a segunda atrás do artista, nalgum lugar na plateia.
“Então posicionava-me de um modo que se eu não conseguisse ver a luz de fundo, ela estava sendo bloqueada pelo músico”, explica. “Eu conseguia captar a atmosfera sem destruí-la.”
O resultado pode ser visto em retratos que dão ao fotografado uma aura brilhando, capturando ao mesmo tempo a enfumaçada intimidade dos antigos clubes de jazz.
Leonard já foi chamado de “o Charlie Parker da fotografia”. Mas quando lhe perguntam sobre qual músico gostaria de ser comparado, ele lembra-se de Gillespie.
“Dizzy conseguia tocar melodias sentimentais de alma e coração – e então podia-se tornar completamente selvagem”, admira Leonard.
Leonard é fascinado por quase tudo que vê, de celebridades a folhas mortas cobrindo uma calçada ou um homem beijando uma mulher numa rua de Paris. “Ele curvou-se sobre o carro de costas para mim, e as suas pernas estavam separadas e as pernas dela estavam juntas, entre as pernas dele – e era tudo que se podia ver”, lembra. “Esse é o tipo de imagem que me atrai, com um certo padrão ou composição.”
As imagens estavam em qualquer lugar por que passasse – vivendo na Europa por 35 anos, na ilha espanhola de Ibiza por oito anos e em São Francisco. Mas foi Nova Orleães que finalmente lhe roubou o coração.
“Havia um calor e uma receptividade lá, uma certa tolerância”, diz. “Você podia plantar uma bananeira no meio da rua, e seria somente parte da paisagem.”
Hoje, Leonard anda com sua equipa, formada por gente bem mais nova, por vezes fotografando noite adentro. Para se divertir, ele vai para clubes de jazz com amigos da indústria cinematográfica, longe daqueles “velhos xeretas”, diz ele, com uma risada.
Em Setembro, o Montreal International Jazz Festival vai lançar uma nova sala de exposições com um portefólio com fotografias de Leonard.
Também está a trabalhar num novo livro de imagens para ser publicado ainda em 2009. É a sequência de sua obra de 2006, “Jazz, giants and journeys”, com prefácio de Quincy Jones.
“Eu costumava falar para as pessoas que Herman Leonard faz com sua câmara o que nós fazíamos com os nossos instrumentos”, escreveu Jones. “A câmara de Leonard conta a verdade, e a faz balançar.”
Foto: Herman Leonard, 1949.
Mostrando Billie Holiday preparando um bife para o seu cão, Mister, no seu apartamento em Nova York.
Mostrando Billie Holiday preparando um bife para o seu cão, Mister, no seu apartamento em Nova York.
O sítio de Herman Leonard Aqui.
~ 6 comentários: ~
at: 23 junho, 2009 21:30 disse...
As coisas que tenho aprendido aqui.
at: 23 junho, 2009 22:03 disse...
Belo texto...Espectacular....
Um abraço
at: 23 junho, 2009 23:56 disse...
Fotografo e jazz :)
Gustoume esta entrada, moito. Moitas gracias :)
Saudiños
at: 24 junho, 2009 13:56 disse...
Aprendo muito aqui, adoro seu trabalho e suas informações.Obrigada.
at: 24 junho, 2009 15:13 disse...
Olá!!
Muito bom esse post, só por ter visto aquela foto da Billie (que eu amo) já valeu a pena!!
Que ótimo que trabalhos como o dele serão perpetuados!!
Abraço!!
at: 24 junho, 2009 19:03 disse...
É fantástico ver atrás da câmara. Vemos um mundo novo, que passa ao lado da maioria.
Parabéns pelo teu trabalho de informação
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